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Introdução

Propagar a instrução, propulsar a transformação e propiciar uma profissão

O papel do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo na construção da Modernidade paulistana Fernando Atique1
Liceu - 150 Anos

“Sociedade Propagadora de Instrução Popular”: em busca de uma cidade transformada no final dos Oitocentos

O Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo completa 150 anos. Um marco invejável para qualquer instituição neste país. Entidade que tem seu lastro na Sociedade Propagadora de Instrução Popular, fundada em 1873, o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo faz parte de um movimento que procurou transformar a cidade de São Paulo, quer em sua dimensão espacial, quer em sua dimensão de urbanidade. Produzindo não apenas elementos de construção civil e de apoio ao desenvolvimento industrial, indispensáveis à urbanização acelerada que se verificava já nas últimas décadas do século XIX e, sobretudo, estabelecendo um novo modo de ação e de trabalho, o Liceu de Artes e Ofícios entremeou-se à Modernidade que se verificava no mundo ocidental e que, em São Paulo, veio a obter proporções agigantadas a partir dos Oitocentos.

À tarefa de instruir nas primeiras letras, e também nos conhecimentos “necessários ao cidadão e ao operário”, a Sociedade Propagadora de Instrução Popular adicionou elementos que eram importantes para o desenvolvimento industrial, casados a estruturas que faziam parte do ambiente educacional imperial que o país vivenciava. O Correio Paulistano, que publicou os Estatutos da entidade, em 1873, nos mostra que a Sociedade Propagadora de Instrução Popular, desejosa de reverter o quadro de pouco preparo para a indústria,

Art. 2º - para este fim fundará uma escola noturna e gratuita, em que desde já se lecionarão as seguintes aulas: leitura e caligrafia, elementos de aritmética, elementos de geometria, desenho linear, língua portuguesa, língua francesa, sistema métrico, história pátria, geografia com especialidade a da América, noções de moral e análise da Constituição do Império2.

Fazendo preâmbulo aos Estatutos, o patrono da Sociedade Propagadora de Instrução Popular, Carlos Leôncio da Silva Carvalho (1847-1912), publicou, na mesma edição desse jornal, um Manifesto em prol da instrução pública, que, hoje, passados 150 anos, nos ajuda a compor a moldura analítica da organização do que veio a se tornar o Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Mas, para além disso, tal manifesto desvela as referências sobre as quais os fundadores idealizaram a empreitada educacional. Carlos Leôncio da Silva Carvalho, então lente substituto da Faculdade de Direito de São Paulo, explicita que, “em matéria de ensino, e sobretudo desse ensino que forma o espírito do homem e aponta-lhe os seus deveres, ao próprio povo compete educar o povo, limitando-se o governo à posição de mero auxiliar” 3. Liberal, e vinculado ao ambiente reformista de fins do Império, Carlos Leôncio da Silva Carvalho antevia que o desenvolvimento material perpassava a prática da liberdade e anunciava que a sociedade escravocrata não conseguiria se coadunar ao ambiente de transformação do Capital e da capital paulista. De modo a explicitar uma dimensão importante sobre o modus operandi pelo qual a escola noturna da Sociedade Propagadora de Instrução Popular atuaria, Carlos Leôncio de Carvalho aponta as referências que deveriam ser mobilizadas pelos paulistas: “as belas escolas criadas nos Estados Unidos pela iniciativa particular, conforme nos mostra [Célestin] Hippeau, e de que tanto proveito estão colhendo nossos concidadãos, em cujo número destacam-se os nomes de alguns distintos paulistas”4.

A passagem acima é importante para notarmos a variedade de debates e de entrecruzamentos de referenciais que a elite dirigente brasileira, em especial a atuante em São Paulo, fazia e que veio a lastrear as ações no campo da construção civil, da formação à prática. Conforme nos mostra Maria Helena Câmara Bastos, Célestin Hippeau era, na década de 1870, um dos educadores mais lidos no mundo ocidental. Bastos nos mostra que,

Além de uma vasta obra literária – livros de história, de literatura, de poesia e poetas da Idade Média, dicionário da língua francesa nos séculos XII e XIII –, [ele] publica um grande número de relatórios sobre a organização da instrução pública na Europa e na América. A partir de 1870, edita uma série de volumes sobre o ensino em diversos países, com o objetivo de fazer conhecer na França a organização da instrução pública em outros países. [Ele] publica L’instruction publique aux États Unis, em 18705.

Esta obra sobre os Estados Unidos alcançou grande notoriedade e recebeu três edições (1870, 1872 e 1878). Leôncio de Carvalho – como assinava – mostrou-se leitor do autor referencial na matéria de instrução pública e, como declarou em seu manifesto no Correio Paulistano, assentou as bases da Sociedade Propagadora de Instrução Popular no efeito que a educação mostrada por Hippeau, nos Estados Unidos, poderia ter entre nós. Esta dimensão atesta uma triangulação de referenciais entre Europa, Brasil e Estados Unidos muito importante e que foi de grande impacto para a geração de 18706 em São Paulo. Assim, a formação da Sociedade Propagadora de Instrução Popular, embora pareada com ações nacionais similares7, estava ombreada com instituições internacionais congêneres, o que atestava o grau elevado de impacto e de conhecimento de seus fundadores. A missão da entidade era, então, permitir a São Paulo, que estava desenhando a organização de suas bases industriais, a propulsão de um projeto de país que incluía alfabetização, capacitação profissional e ampliação de mercado consumidor com base nas referências europeia e estadunidenses. Esta mescla é tão significativa que, como nos mostra Fernanda Carvalho, “entre os primeiros sócios” da Sociedade Propagadora de Instrução Popular estavam “José Maria Correia de Sá e Benevides, Luiz Gama, Francisco Rangel Pestana, Antonio Carlos Ribeiro de Andrada, Francisco Antonio de Souza Queiroz, José Bonifácio, Anatole L. Garraux, Elias Pacheco Chaves, Luís de Oliveira Lins de Vasconcellos, Victor Nothmann, Antônio da Silva Prado, Barão de Iguape; Lebre, Irmão e Comp., Antônio Proost Rodovalho e os reverendos Emmanuel Vanorden e George Chamberlain.8” Imigrantes, abolicionistas, republicanos, nobres, protestantes e comerciantes se associaram em torno de um projeto de instrução que visava a reorganização do mundo do trabalho, por meio de ofícios e, consequentemente, de um novo mercado, baseado no trabalho livre e qualificado.

A escola noturna e gratuita mantida pela Sociedade Propagadora de Instrução Popular se instalou em um prédio na rua de São José, atual Líbero Badaró9. Maria Lucia Gitahy, em trabalho fundamental para a compreensão das ações dessa escola e, em especial do Liceu de Artes e Ofícios, nos mostra que

As classes da escola noturna foram crescendo e se dividindo: menores, adultos, alunas, primeira e segunda categorias. Inicia-se uma série de conferências abertas ao público. Caetano de Campos e Candido Barata falam sobre higiene e fisiologia comparada, outros discorrem sobre Ciências Sociais e História. Os cursos ampliam-se: além do curso primário, cria-se o complementar e o de artes e ofícios. Mantém-se aberta uma biblioteca, diariamente. Publicam-se livros de divulgação. Nos primeiros dois anos houve uma frequência de 422 alunos, o que não era pouco em uma cidade cuja população urbana em 1872 não era maior do que 19.347 habitantes. (...). O governo estadual passa, então, a apoiá-la com uma subvenção de 2.000$000, que se mantém por 9 anos (1875-1883). Em 1882, os cursos da Propagadora são reorganizados e ampliados, enfatizando-se sua orientação para o ensino-profissional. Além do curso primário, que se ampliara, e do complementar, estruturaram-se melhor o de Ciências Aplicadas e o de Artes. A Escola toma o nome de Liceu de Artes e Ofícios. Muda-se para o prédio ocupado durante o dia pela Escola Normal e utiliza-se das oficinas do Instituto de Educandos Artífices e mesmo de estabelecimentos industriais da capital para a prática dos aprendizes. O governo do Estado dobra sua subvenção neste ano. Frequentam, então, a escola cerca de 600 alunos de curso primário10.

A primeira década de existência da escola a consagra como estabelecimento sério e importante para a capital paulista. Mesmo enfrentando uma mudança de rumos em relação aos expressos no Manifesto de 1873, de Leôncio de Carvalho, já que o governo estadual passou a aportar recursos ao estabelecimento, a frequência e os conteúdos programáticos fizeram-na vicejar.

Em 1888 houve a abolição compulsória da escravidão no Brasil e, no ano seguinte, teve início a República. O cenário político mudou rapidamente11, mas, de certa forma, a geração de 1870, formada por grande ala de paulistas, que ansiava por políticas públicas republicanas, passou a implementar transformações no ambiente da cidade de São Paulo, e o já nomeado Liceu de Artes e Ofícios tornou- se espaço de sua propulsão, muito embora os recursos vindos da iniciativa privada tivessem escasseado, o que o levou a experimentar anos turbulentos, que seriam superados com novos agentes e novos programas, como veremos.

Liceu - 150 Anos

Detalhe da fachada neogótica do edifício London River & PLate Bank, de 1912.

Criação e Arte, Mecanismos e Críticas: o lugar dos Ofícios

Pensar a combinação de Ofícios e Artes foi uma máxima importante para o século XIX. Com a Revolução Industrial, iniciada no século XVIII, tomando forma e se desdobrando ao longo dos Oitocentos, desconfianças e desconfortos entre as maquinarias e os trabalhos artesanais foram instaurados. No ambiente anglo- -saxão, em especial no Reino Unido, houve tentativas significativas para a história do Design e da Arquitetura que ressoaram quase que imediatamente pela Europa toda. Os pré-rafaelitas, grupo de artistas fundado em Londres, em 1848, por Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), William Holman Hunt (1827-1910) e John Everett Millais (1829-1886), procuraram reintroduzir temas e procedimentos pictóricos de maneira a demarcar um trabalho que remetia às corporações de ofício medievais, portanto antes do maneirismo do multifacetado artista Rafael Sanzio (1483- 1520). Esta confraria causou certo frisson em meados do século XIX naquele ambiente. Instando a sociedade britânica a contrastar os ritmos, cores, temas e estruturas pictóricas do que produziam com as reproduções artísticas e que começavam a ser feitas por máquinas, os pré-rafaelitas abriram caminho para o movimento Arts and Crafts, ou, em português, Artes e Ofícios, que, imbuído de uma tentativa de crítica, em um primeiro momento, e, depois, de boicote, à massiva produção industrial, trouxe à tona uma sensibilidade que atingiu as artes decorativas, a Arquitetura, o Design e a Economia.

Em busca de um nacionalismo “de origem”, fortemente marcados pelo romantismo, britânicos como Augustus W. Northmore Pugin (1812-1852), projetista de arquiteturas com forte ascendência medieval, e John Ruskin (1819-1900), crítico de arte e ensaísta, passaram a ver a produção industrial como um fenômeno que apagava a dinâmica criativa e colaborativa que julgavam ter existido na Idade Média em corporações de ofícios ou guildas. Esses pensadores, ombreados a outros do mesmo período, consideravam que o povo britânico tinha se originado com o fim do Império Romano e, portanto, tinha seu ethos constituído durante o medievo. Dessa maneira, este período histórico deveria dar vazão a um nacionalismo identitário, que estava sendo retomado por esses grupos, em plena competição com a industrialização que avançava mundo afora. O medievo – defendiam – expressava a formação da nação, e a produção artesanal expressava a criação do povo britânico e de obras britânicas.

John Ruskin esteve envolvido com questões importantes de críticas e de reposicionamento dos trabalhos artísticos, arquitetônicos e artesanais durante o século XIX, como o desenho, a pintura e a restauração de bens culturais. Em meados dos Oitocentos, ele se envolveu em uma espécie de patronato intelectual com o Movimento Arts and Crafts, cuja figura proeminente foi William Morris (1834-1896), definido por Giulio Carlo Argan como “pintor, escritor, polemista e propagandista, mas também como homem de ação”. Segundo Argan, Morris “era um socialista militante”, embora filho de uma rica família britânica. Morris “partia do pensamento de Ruskin, contudo, partilhando das novas ideias derivadas dos textos de [Karl] Marx”, ia além: ele afirmava que não é “muito importante que o artista (um burguês por definição), com um gesto de santa humildade, converta-se em operário; pelo contrário, o importante é que o operário se torne artista”, “desenvolvendo um valor estético (ético-cognitivo) ao trabalho desqualificado pela indústria”. Resumia Morris que o operário deveria voltar a fazer da sua “obra cotidiana uma obra de arte”12. William Morris chegou a dizer que a verdadeira arte era aquela “feita pelo povo e para o povo”13. Ele também definiu Arte a partir da concepção de John Ruskin, como a expressão da alegria do trabalhador com seu trabalho. Enquanto trabalhava em seu ofício, supostamente, o trabalhador criava e se alegrava com sua criação.

A dimensão do trabalho artesanal como potência da realização artística e do labor levou Morris a tentar empreitadas comerciais que legaram produtos singulares, mas não sobreviveram à massiva concorrência da industrialização, como atesta a história de sua empresa, Morris, Marshall, Faulkner & Co. (1861-1974), especializada em mobiliário e decoração em geral: forrações, vidros, pratarias e tapeçarias14.

A historiadora da arquitetura Mary Woods, ao estudar a formação em Arquitetura e Design nos Estados Unidos do século XIX, lidou com esta temática. Ela nos mostra que “mestres de obras e artesãos foram responsáveis pelas primeiras organizações e publicações a fornecer instruções em projeto e construção” naquele país. Para ela, “no início da arquitetura dos Estados Unidos, o aprendizado fazia parte da cultura artesanal”15. O domínio da prática de subsistemas da construção civil, como carpintaria, alvenaria, serralheria e estereometria, foram fundamentais para que os ofícios, naquele país, pudessem ser tomados como basilares para a propagação da própria arquitetura, nos Oitocentos. Woods reforça que “mudanças no projeto e na construção americana, bem como no aprendizado, criaram uma demanda por cursos (...) durante o final do século XVIII e início do século XIX. (...) Os desenhos tornaram-se cada vez mais necessários. Arquitetos imigrantes (...) ensinaram desenho a artesãos e amadores, enfatizando seu conhecimento dos estilos europeus modernos em anúncios de jornal”16. Esta autora ainda mostra algo importante:

Os institutos de mecânica, assim como o aprendizado de ofício, não tinham ainda figurado na história da arquitetura dos Estados Unidos. Mas eles também ofereceram treinamento em desenho arquitetônico, design e história durante o século XIX. Educar o artesão científico tornou-se a missão dessas organizações estabelecidas nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha durante a primeira metade do século XIX. (...) Essas organizações mecânicas não eram nem guildas protecionistas para mestres (...) nem organizações assistenciais. Elas eram centros para leituras, classes noturnas, bibliotecas, desenhos e coleções de modelos, além de exibições comerciais. Suas programações eram gratuitas, ou como também notou uma revista da época, com preços módicos, de maneira a caber no orçamento dos operários. Disciplinas práticas como matemática, química, operação de maquinário e desenho eram oferecidas nesses institutos. (...) A popularidade desses institutos perdurou (...) até o final do século XIX17.

A semelhança da proposta que veremos no Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, com esta realidade dos Estados Unidos revela, mais uma vez, como os idealizadores da instituição paulistana estavam cientes de atividades análogas, tanto no ambiente europeu (incluindo França e Bélgica) quanto nos Estados Unidos. Entretanto, o Liceu paulistano não seria exatamente uma réplica de ações como as estudadas por Woods, muito menos, uma instituição rebelde, como uma ala vinculada aos socialistas utópicos da Grã-Bretanha propunha. As Artes e os Ofícios, no Liceu paulistano, devem ser vistos à luz do que o engenheiro português Ricardo Severo, ao repassar, em 1934, a trajetória da entidade apontou: ela nasceu como “obra patriótica e benemérita, de rara eminência social, pela finalidade altruísta de gratuita educação profissional, pela ideia criadora da mais positiva Democracia”18. Severo dizia que a instituição, fundada pelo que chamou de “escola da sociedade paulista daquela época, de constitucional liberalismo, conduzida pela nova corrente do positivismo filosófico para a obra renovadora de cultura e civilização”, deveria visar o “culto ao trabalho” 19. Como notou Raquel Shenkman Contier,

Tratava-se de ação inovadora no sentido em que seus fundadores desejavam democratizar a ciência, no entanto, não era uma iniciativa subversiva, como se podia imaginar na época. Mas procurava evitar, sobretudo, através de um controle institucionalizado, a anarquia da população operária – esta, fruto da ignorância, segundo se argumentou na cerimônia de abertura dos cursos em 10 de fevereiro de 1874 – Ricardo Severo.20

David Noble, historiador da técnica, aponta, nesta linha, que,

com o casamento da ciência com as artes aplicadas, a primeira se tornou mais empírica e, então prática, enquanto a última se tornou mais científica. O empiricismo foi introduzido no estudo científico como forma de compreensão de verdades metafísicas, um guia para reflexão. No final do século XIX, contudo, este processo sofreu uma súbita inversão, em que a experiência prática, na busca pela verdade, fazia a ciência ser sua serva na busca da verdade, fez da ciência sua própria serva21.

Nas palavras de Maria Lucia Gitahy, ao analisar o ambiente paulistano de fins do século XIX, é necessário notar que,

Dentro do mercado de trabalho “livre”, certas exigências começaram a se configurar. Além de trabalhadores livres, alfabetizados e treinados no culto do trabalho, à disciplina e à boa moral da docilidade cristã, sempre bem-vindos e necessários em grande número, era requisitado agora um certo número de mestres e artífices para o trabalho nas grandes obras, nas oficinas das ferrovias, nas fábricas. Sem este quadro seria impossível mesmo organizar o trabalho dos demais22.

Liceu - 150 Anos

Fachada do Palácio das Indústrias, de 1930, no Parque D. Pedro II.

Educar, profissionalizar e gerar trabalho explicitaram-se na missão do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo a partir de 1882, quando este nome se oficializou. E, para vencer a crise que se instalou com sua subsistência após a instauração da República, o Liceu teve uma nova fase, apontada por Ricardo Severo como de “organização técnica (1895-1924)”23. Esta fase é tratada por Severo como aquela em que se conheceu grande expansão e celebração de sua competência técnica e de prestadora de serviços. Ela coincide com a chegada do engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) à entidade.

Carlos Lemos apontou que “Ramos de Azevedo deu a alma pelo Liceu de Artes e Ofícios, o estabelecimento que forneceu a São Paulo milhares de artífices da maior categoria profissional” 24. Este engenheiro-arquiteto, formado em 1878 na École Speciale du Génie Civil et des Arts et Manufactures da Universidade de Gand, na Bélgica, entrelaçou-se à trajetória do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo a partir de 1895, ao assumir a vice-presidência e também a direção-geral da entidade até seu falecimento, em 1928. Ramos de Azevedo tem, curiosamente, um protagonismo transformador que coloca o Liceu em um percurso que estabelece “a ênfase no ensino de desenho, pintura e escultura”25, casado ao desenvolvimento técnico.

Maria Lucia Gitahy ainda mostrou que o impacto da imigração, atrelado ao da grande circulação de pessoas e de mercadorias pela capital, facilitado pela expansão da malha ferroviária e pela demanda de prédios, levou Ramos de Azevedo a notar que era necessário formar profissionais talhados nas Artes e nos Ofícios em grande proporção. Nas palavras de Gitahy,

Ramos de Azevedo sentiu na carne este problema e integrou-se à direção do Liceu visando enfrentá-lo. Além de conviver diariamente com os problemas do ramo, na cidade de São Paulo, procurou manter-se atualizado com o que se fazia em termos de ensino no estrangeiro26.

Assim, assentados em uma missão educacional e em uma função de formação profissional, Ramos de Azevedo e outros colegas contribuíram para colocar o Liceu de Artes e Ofícios em um lugar em que arte e técnica deram o tom do desenvolvimento paulista(no), sem perder os olhos no que se passava nos dois lados do Atlântico.

Um Liceu de Artes e de Ofícios para São Paulo

Durante as duas primeiras décadas do século (XX), foram realizadas no Liceu obras de arquitetura interna e externa, assim como mobiliários e decorações para bancos, hospitais, grandes edifícios públicos, hotéis e igrejas (...). Estes trabalhos acompanharam as necessidades do acelerado processo de urbanização paulistana contribuindo, ao mesmo tempo, na criação e na divulgação dos valores que marcaram uma época27.

A fase de expansão do Liceu de Artes e Ofícios, como vimos anteriormente, o guindou a um lugar de importância e prestígio para o estado de São Paulo. O Liceu, naqueles anos, estava necessitando de espaços adequados às suas funções. Como mostra Marcia D’Angelo, em “1893, a Instituição foi despejada pelo proprietário do prédio” em que funcionava, situado na então “Rua do Imperador, número 5”28. Os pertences do Liceu – os que não se perderam na mudança inesperada – foram reunidos na Igreja de São Gonçalo, na atual Praça João Mendes, então Largo dos Remédios. Dali, ainda foram para uma outra sede nas imediações da catedral de São Paulo, na rua de Santa Teresa, número 22, igualmente incapaz de abrigar toda a instituição29. O presidente da entidade, naquele momento, Domingos Jaguaribe (1820-1890), gozando de bom relacionamento com Cesário Motta Junior (1847-1897), Secretário de Governo do Estado, conseguiu a promessa de que o Liceu receberia um prédio com oficinas apropriadas e a volta da subvenção oficial de 12 contos de réis30.

Em 1895 foi eleita uma nova diretoria para o comando do Liceu de Artes e Ofícios, que passou a ser presidida por José A. de Cerqueira César, tendo Francisco de Paula Ramos de Azevedo e J. F. de Almeida Júnior, respectivamente, como 1º e 2º vice-presidentes. Ramos de Azevedo também foi escolhido Diretor Geral do Liceu de Artes e Ofícios nessa eleição e, neste cargo, como vimos, permaneceu até seu falecimento, quando foi, então, substituído por seu colaborador, Ricardo Severo31.

A entidade seria, já sob a direção de Ramos de Azevedo, fixada na então Cidade Nova, além Vale do Anhangabaú, nas imediações da Estação da Luz, em área lindeira ao Parque da Luz32. A Assembleia Estadual votou uma verba de 100 contos de réis para a construção da sede do Liceu de Artes e Ofícios nessa área.

A sede do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, na Avenida Tiradentes, esquina com Estação e Parque da Luz, foi projetada para abrigar oficinas de formação e de execução de serviços, além de espaços de aula e exibições; estas últimas já vinham sendo feitas desde os anos 1880, com grande afluxo de pessoas. Há uma celeuma historiográfica a respeito da autoria do prédio: alguns autores defendem que o edifício foi concebido pelo italiano, e professor do Liceu, Domiziano Rossi (1865-1920), e apenas construído pelo Escritório Técnico Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Carlos Lemos, estudioso desta firma, aponta, contudo, que

Rossi foi convidado por Ramos para lecionar tanto na [Escola] Politécnica quanto no Liceu e foi como professor desta última que participou das obras da nova sede. José Marcelo do Espírito Santo afirma categoricamente que o projeto do prédio do Liceu é integralmente de Rossi. Achamos pouco provável porque Ramos, naquela euforia de levantar o Liceu com donativos oficiais, não iria deixar passar a oportunidade de se mostrar como arquiteto emérito, e Rossi, que nem empregado do seu escritório era, não iria, por sua vez, trabalhar anonimamente para que outros recebessem os louros. A nosso ver, é mais viável a hipótese de colaboração mútua. Talvez Rossi tenha, com seus alunos do Liceu, desenvolvido o projeto do edifício, por sinal, grandioso e não condizente com o programa original de necessidades do empreendimento. Tanto foi assim que o novo prédio, em 1900, recebe as primeiras turmas de instrução primária e artística e, em seguida, ali se instala o Ginásio do Estado. E, logo depois, chega à Pinacoteca. As áreas nobres da edificação, dessa maneira inesperada, são ocupadas, ficando as oficinas relegadas ao porão33.

O prédio, edificado em alvenaria de tijolos, foi pensado para ser acessado a partir da rua Tiradentes, antigo caminho para a Freguesia de Santana, na região Norte. Simétrico e projetado para ter uma imensa cúpula central – nunca executada -, que com sua lanterna corresponderia ao dobro dos dois pavimentos mais porão somados, o prédio expunha um gosto clássico, com quatro bastiões em planta, interligados por quatro corredores que articulavam as alas Norte e Sul, Leste e Oeste nos primeiros e segundos pavimentos. Internamente, foram projetados dois pátios internos, à moda de impluvium, que, pela exiguidade de dimensões, se tornaram poços de luz e ventilação, como a legislação sanitária preconizava.

O prédio, erguido com supervisão do Escritório de Ramos de Azevedo e com fornecedores vinculados ao conglomerado de empresas que ele mesmo possuía e mais alguns mobilizados em nome da atividade altruística da entidade, nunca foi terminado. Antes mesmo de finalizar o tão esperado edifício, como mostrou Carlos Lemos na citação, fez-se necessária a busca por novas áreas para comportar os estudantes do Liceu. Em 1905, a entidade tinha 807 matriculados.

José Roberto D’Elboux mostrou que, “para serem admitidos no Liceu, os alunos deveriam ter idade mínima de 12 anos para ingressar no Curso Preliminar, e 14 anos, para o Curso Geral de Artes.” D’Elboux ainda descobriu, apoiado em material primário e nos escritos de Ricardo Severo, que “os melhores alunos geralmente eram convidados a permanecer nas oficinas, e muitos tornaram-se professores do próprio Liceu”.34 Maria Lucia Gitahy mostrou que o Liceu, do início do século XX até meados dos anos 1920, “constituiu-se como um ‘verdadeiro estabelecimento comercial de produção direta’, contratando obras, aceitando encomendas e fabricando artefatos e manufaturados de comércio corrente” 35. Esta autora, interessada na produção das oficinas do Liceu, mostrou, ainda, apoiada em Ricardo Severo e Reynaldo Porchat, que o Liceu “funcionava, ao mesmo tempo, como uma empresa, enfrentando problemas semelhantes às demais do ramo”, pois, “ali, o aluno trabalhava ‘tomando seu lugar na metódica divisão de serviço que compete a uma oficina moderna de grande produção, trabalhando como aprendiz, como auxiliar, como operário, com utensílios próprios ou dirigindo maquinismos’”. 36

Para poder desempenhar a tarefa de entidade formativa e fornecedora de serviços, o Liceu solicitou novas áreas para instalar suas oficinas de maneira mais adequada do que as que possuía no prédio da Luz, em construção. Em 1906, o então presidente do Estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá (1855-1928), intermediou a doação, pela Prefeitura Municipal, de terrenos situados na várzea do Rio Tamanduateí, entre as “ruas João Teodoro, Cantareira e Jorge Miranda”, que foram “ampliados no tempo de Rodrigues Alves, em 1919, para um total de 13.500 m2”37. Esta área, que hoje ainda abriga a sesquicentenária instituição, tornou-se o locus principal do Liceu de Artes e Ofícios.

Dessa maneira, São Paulo não apenas ganhou uma entidade singular e bem-sucedida, como incutiu a ideia, que vicejou fortemente na identidade paulista, de que Arte e Técnica devem ser aliadas na projetação do espaço construído. Esta feição, de servir à sociedade por meio da expertise que tinha instalada, garantiu renda ao Liceu de Artes e Ofícios, e isso acarretou aumento de alunos, de tarefas assumidas e de empreitadas, que fizeram a entidade ser conhecida em diversos ramos, em especial no mobiliário, na formação e também em categorias que eram requisitadas pela metrópole em construção, na primeira metade do século XX.

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Letreiro Art Déco fixado na entrada do Edifício Altino Arantes, de 1947.

Modernas Idades, Versáteis Habilidades

Ao longo de sua existência, o Liceu de Artes e Ofícios empenhou-se na formação de profissionais que dominassem saberes, de dimensão geral e técnicos, de maneira a contribuir com o desenvolvimento da vida material da Pauliceia. Grande parte das atividades técnicas desenvolvidas no Liceu embasaram-se na ministração do desenho como viabilizador do pensamento e da execução. O desenho, que tem a mesma origem etimológica de desígnio, ou seja, da ação de determinar, de antecipar uma realidade, foi conteúdo extremamente cuidado desde a fundação da entidade, em 1873. Mas seria na fase inaugurada no século XX que o desígnio assumiria grande importância no Liceu.

José Roberto D’Elboux mostrou que, em 1895, coube ao arquiteto Domiziano Rossi, parceiro importante de Ramos de Azevedo, como já vimos, “a responsabilidade de montar, supervisionar e também lecionar as disciplinas de desenho”, após sua contratação como docente, no Liceu38. Rossi afirmou, em 1924, que “o aprendizado do desenho equivale ao conhecimento das primeiras letras” 39. Esmiuçando: para um artífice ou projetista do século XX, não dominar o desenho era um fator de alijamento da modernidade almejada, ou, na visão patronal, a falta de uma competência demandada pelos setores produtivos.

Ricardo Severo, por meio da publicação do já citado livro sobre a história e os quadros estatísticos do Liceu de Artes e Ofícios, em 1934, cristalizou uma história que fixa uma imagem da instituição, mas, ao mesmo tempo que a glorifica, a afasta do restante da sua trajetória, mais que centenária. Se, em 1934, o trabalho de Severo permitiu que se visse o arrojo da própria época e mesmo os procedimentos tomados para a melhoria do ensino em perspectiva histórica, hoje, essa visão cristalizada não auxilia na compreensão dos demais produtos e demais práticas da entidade, nesses 90 anos que sucedem a sua publicação. Esta tarefa precisa ser feita com cuidado, e alguns pesquisadores a ela têm se lançado. O Liceu não é apenas a escola oitocentista e das primeiras décadas do século XX. Ele prosseguiu, e continuou trilhando percursos igualmente relevantes e entrosados com a sociedade.

Segundo José Roberto D’Elboux, o desenho tornou-se parte elaborada e constante da formação ofertada pelo Liceu, pois, por meio dos programas de curso, reproduzidos na publicação de Severo, de 1934, “uma avaliação do conteúdo” mostra que

o Curso Geral de Artes era composto de sete disciplinas: “Desenho Linear Geométrico”, com conteúdo que incluía geometria plana; geometria no espaço; e geometria descritivo; “Desenho Linear a Mão Livre”, que incluía desenho de estampa; desenho de ornato; e desenho de figura. “Desenho Arquitetônico”, que incluía arquitetura; ordens arquitetônicas; e edificações. “Desenho Profissional”, de conteúdo voltado à profissão para a qual se destinava o aluno. “Modelação”, que consistia em materiais plásticos; técnica e utensílios para a modelação; modelação de ornatos à vista; modelagem; aplicação da modelação e moldagem às artes plásticas da cerâmica e terracota. “Desenho e Pintura nas Artes Decorativas”, que incluía desenho decorativo; teoria das cores; pintura decorativa – tecnologia (materiais, utensílios, técnicas especiais); e pintura nas artes decorativas. “História da Arte – Estética”, que consistia em Obra de Arte; História Geral das Belas Artes; História da Arte Americana; Arte Colonial; e Arte Moderna no Brasil40.

Esta sequência desvela a existência de um ciclo virtuoso que fornecia formação alinhada à própria prática profissional, em cursos de nível superior, disponíveis na cidade, como nas escolas de Engenharia e de Arquitetura do Mackenzie e da Politécnica. Engenheiros e engenheiros-arquitetos eram formados para proporem espaços por meio do desenho, e os profissionais formados no Liceu, preparados para decifrar e empreender a execução do que foi designado pelos detentores do diploma superior. O século XX assentava- se, desta maneira, em uma estrutura de racionalização do trabalho, em que fordismo, taylorismo e as práticas sucessivas de faseamento da produção adentravam à formação dos profissionais de diversos ramos industriais no Liceu.

Não é à toa que o levantamento de obras de construção civil que tiveram a participação do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, e que nesta publicação está belissimamente registrado, mostra a versatilidade desses funcionários, aprendizes e estudantes do Liceu de Artes e Ofícios em executar o que o gosto mais variado dos projetistas da São Paulo Moderna demandou. São edifícios repletos de esquadrias, bancos, vitrais, letreiros, mesas, cadeiras, lustres e demais componentes de feições neorrenascentistas, neobarrocas, neogóticas, modernas, Art Déco e da grande especialidade do Liceu, nas duas primeiras décadas do século XX: o Art Nouveau, em suas vertentes sezession e floreale.

Carlos Thaniel Moura, tendo estudado a domesticidade da casa paulistana das primeiras décadas do século XX, enfatizou que muitos produtos de mobiliário para compor o espaço interno das casas burguesas paulistanas “poderiam ser encomendados ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, uma importante instituição que modelou o gosto da elite paulistana, conferindo a muitas residências produtos afinados com os postulados ‘modernos’ da ‘decoração de interiores’”41. Os produtos, desenvolvidos para cada uma das residências, mas também bancos, escritórios, igrejas, hospitais e museus, atestavam o grau de versatilidade do projeto e, ainda, de maquinário para a execução, nas oficinas do Liceu. Paralelamente, não podemos deixar de apontar o cabedal de artífices qualificados que entregaram para São Paulo uma multivariada gama de produtos que, por sua onipresença, acabaram por ser invisibilizados aos olhos contemporâneos. D’Elboux enfatiza isso ao grafar que “uma amostra dessas aplicações pode ser observada nas fotografias que registraram a produção do Liceu existentes em seu acervo. Obras de serralheria artística como guarda-corpos, grades para janelas, portões, bandeiras para portas etc., muitas delas onde nota-se a presença de iniciais ou monogramas, (...) letreiros comerciais, como as grandes letras metálicas conhecidas como letras caixa” saíram das Oficinas do Liceu diretamente para moldar a vida na cidade42.

Carlos Moura ainda observa que “somente na década de 1950 o Liceu perdeu mercado para outras lojas do ramo” de móveis e ornamentações43. Neste sentido, Raphael Leon Vasconcelos, em artigo recente, procura mostrar o que houve com o Liceu de Artes e Ofícios após o período de comando de Ricardo Severo, que faleceu em 1940. Ele reproduz trecho da brochura comemorativa dos 85 anos da entidade, em 1958, que explica que

Em 1941, o Liceu foi obrigado a introduzir grandes modificações nos seus cursos para obedecer a Lei Orgânica do Ensino Industrial. De acordo com essa Lei, os cursos noturnos manteriam a organização já existente, enquanto os cursos diurnos passariam a ter um nível cultural mais alto, equivalente ao curso ginasial. Assim, o Liceu perdeu sua finalidade primordial de ministrar o ensino gratuito às classes necessitadas, uma vez que os alunos que lá recebiam os ensinamentos básicos não puderam enfrentar as novas disciplinas impostas. Por outro lado, aqueles que recebiam o diploma oficial secundário do Liceu passaram em seguida a procurar as faculdades, havendo por isso um hiato na formação de operários especializados. Somente anos após é que o Liceu pôde cumprir novamente seu objetivo inicial, quando conseguiu a desoficilização dos seus cursos diurnos44.

Parte do Liceu, dessa maneira, destacada do sistema de ensino oficial, passou a ofertar ensino profissionalizante, visando a inserção de trabalhadores nas indústrias e nos ramos técnicos da produção e conservando sua tendência antiga. Mas esta escolha impedia que seus formandos adentrassem no Ensino Superior, o que gerou uma estratificação de atividades no setor produtivo, que foi combatida pelos estudantes, por algumas décadas, até que nos anos 1970, em face das mudanças efetuadas no sistema de ensino do país, o Liceu passou “de um Núcleo Livre de Ensino Profissional (...) a ser uma escola técnica oferecendo diplomas equivalentes ao 2º grau (ensino médio) e que, por consequência, permitiria a realização do ensino superior. Isso significou novas possibilidades na trajetória dos estudantes e é possível encontrar muitos que optaram por seguir uma carreira acadêmica na faculdade”45.

Em meados do século XX, uma alteração significativa na forma de gerir a instituição, a separação da produção industrial da formação, também levou a uma redefinição de espaços. Vasconcelos aponta que

Outro elemento a destacar é a mudança da indústria do Liceu para o Parque da Água Branca. Apesar dos anos 40 constituírem um divórcio entre as práticas educativas e as produtivas, as oficinas localizavam-se praticamente no mesmo terreno da escola. Isso permitia que os estudantes pudessem circular por esses espaços e que fizessem algumas atividades de aprendizado no próprio ambiente da fábrica. Nos anos 70, o divórcio completou-se e já havia dois espaços totalmente diferentes e distantes um do outro46.

O autor nos mostra que “a indústria crescera de tal modo que não podia ficar restrita à rua da Cantareira e a escola modificara os seus objetivos a ponto de atender um outro público”47. No parque industrial, o Liceu passou a fabricar produtos importantes para a cidade, como os hidrômetros, que resolveram, de uma vez por todas, uma grande discussão sobre como aferir o consumo de água na cidade. Ao assumir a marca LAO, o Liceu deu uma guinada diferente da que teve nas primeiras décadas do século XX. O comércio de componentes que produzia na sua planta industrial, existente na cidade de Osasco, reverteu-se para insumos e manutenção da unidade educacional e cultural que ainda ocupa a sede histórica na rua da Cantareira, hoje, detendo um Centro Cultural de portentosa envergadura onde funcionaram as Oficinas da instituição.

São 150 anos de intensa relação com a cidade de São Paulo, por meio de uma escola e de uma marca – a LAO – ainda presente na casa de milhares de pessoas. O Liceu, cuja relevância e importância permanecem, suplantou crises, moldou destinos, viabilizou sonhos e entregou recursos que até hoje são indispensáveis para a capital paulista e milhares de outras localidades Brasil afora. O Liceu de Artes e Ofícios, instituição sesquicentenária, deve ser visto na perspectiva de que o que produziu moldou o patrimônio material paulista e brasileiro, mas precisa ser reconhecido, como este livro mostra, também como patrimônio. Afinal, como disse a poeta Cora Coralina, “todos estamos matriculados na escola da vida, onde o mestre é o tempo”.

Liceu - 150 Anos

Estrutura metálica preservada no Centro Cultural do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, 2018.

150 Anos - Missão Excelência
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