0%
Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo - Esculturas da Praça Cidade de Milão, 1971

Simbolismo e técnica

Réplica do conjunto florentino de Michelangelo Buonarroti

Quem passa pela Avenida República do Líbano, ao lado do Parque do Ibirapuera, se encanta com a Praça Cidade de Milão, que tem como elemento central uma fonte ladeada por réplicas de quatro estátuas de Michelangelo, produzidas pelo Liceu de Artes e Ofícios e instaladas em 1971.

As reproduções retratam as alegorias que representam a Noite, o Dia, o Crepúsculo e a Aurora, numa alusão aos contrastes da passagem do tempo, da vida e da morte. Feitas de argamassa armada e gesso, as esculturas têm o dobro do tamanho das peças originais, que se encontram na Capela dos Medici, em Florença, na Itália. A prática de reprodução em gesso nas oficinas do Liceu era utilizada, sobretudo, como estratégia didática, além de ser considerada, em si, uma forma de manifestação artística. Segundo Belluzzo (1988), “a cópia, a modelagem e os métodos de reprodução são originariamente procedimentos artísticos; [...] o método de reprodução, nessa fase, decorre do campo artístico, não lhe é externo”.

Tratava-se de uma coleção de cópias de gesso, realizada para efeito de difusão da obra. A técnica tão antiga de reprodução, anterior à fotografia, proporcionava uma aproximação com a condição espacial da obra, que a imagem gráfica viria abstrair. Não se tratavam de réplicas que supõem a peça realizada pelo próprio mestre ou autor, mas certamente da multiplicação de obras consideradas enquanto modelos ou protótipos.

(BELUZZO, A. 1988, P. 137)
Conjunto de esculturas: Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo
Construção:
1971
Estilo:
Reprodução em gesso de peças renascentistas
Projeto:
Localização:
Praça Cidade de Milão, Ibirapuera – São Paulo, SP
Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo
Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo

Vista do conjunto instalado na Praça Cidade de Milão, em frente ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Obra de Michelangelo, a Sagrestia Nuova, localizada no Palácio dos Medici, em Milão, é um mausoléu que abriga os restos mortais da família. “A construção foi encomendada pelo Papa Leão X, membro da família, em 1519. Os Medici faleceram muito jovens. Embora não se tenha certeza da permanência dos restos mortais no mausoléu da família, na ocasião, o papa declarou: ‘De hoje em diante, eles não mais pertencem à casa dos Medici, mas à casa de Deus’” (FEIERABEND, P. 1999, p. 290). A Capela Medici, que abriga o conjunto original de esculturas de mármore, fica na Piazza Madonna degli Aldobrandini, em Florença.

A criação da Praça Cidade de Milão, em São Paulo, foi proposta em 1962 para celebrar o conceito de cidades-irmãs entre São Paulo e Milão, uma prática que surgiu após a 2ª Guerra Mundial com o intuito de estabelecer laços de cooperação, amizade, cultura e paz entre municípios localizados em áreas geográficas distintas. O conjunto já passou por três restaurações, tendo sido a primeira em 1998, com recursos da iniciativa privada; em 2003, com verba doada pela cidade de Milão; em 2017, comandada pelo Istituto Europeo di Design (IED).

A Noite, com sua pose singular, foi considerada o modelo do “ideal” por Charles Baudelaire, que a menciona no soneto homônimo de As Flores do Mal (1861). O texto abaixo, marco da poesia moderna simbolista, refere-se à estátua de Michelangelo.

Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo

Túmulo de Lorenzo de Medici: em 1519 Lorenzo, Duque de Urbino, morreu com apenas 27 anos. Seus contemporâneos o chamavam de Il Pensieroso (O Pensador). Logo abaixo da estátua do duque estão Crepúsculo e Aurora, estátuas criadas por Michelangelo e reproduzidas no Ibirapuera pelo Liceu.

Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo

Túmulo de Giuliano de Medici: Giuliano de Medici (1479-1931), Duque de Nemours, tem abaixo de sua estátua, Noite e Dia, representadas por Michelangelo em oposição uma à outra. As figuras alegóricas repousam sobre o sarcófago e também compõem o conjunto de réplicas na praça paulistana.

Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo

Vista do dorso detalhado. Abaixo, representação do Dia, originalmente feita por Michelangelo em mármore para o túmulo de Giuliano de Medici, em Florença.

Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo

A criação da Praça Cidade de Milão, em São Paulo, foi proposta em 1962 para celebrar o conceito de cidades-irmãs entre São Paulo e Milão, uma prática que surgiu após a 2ª Guerra Mundial com o intuito de estabelecer laços de cooperação, amizade, cultura e paz entre municípios localizados em áreas geográficas distintas.

Jamais serão essas vinhetas decadentes, Belezas pútridas de um século plebeu, Nem borzeguins ou castanholas estridentes, Que irão bastar a um coração igual ao meu. Concedo a Gavarni, o poeta das cloroses, Todo o rebanho das belezas de hospital, Pois nunca vi dentre essas pálidas necroses Uma só flor afim de meu sangüíneo ideal. O que me falta ao coração e o que o redime Sois vós o Lady Macbeth, alma afeita ao crime, Sonho de Ésquilo exposto ao aguilhão dos ventos; Ou tu, Noite por Miguel Ângelo engendrada, Que em paz retorces numa pose inusitada Teus encantos ao gosto dos Titãs sedentos!

O IDEAL CHARLES BAUDELAIRE, As Flores do Mal, 1861
Noite, Dia, Aurora e Crepúsculo

Réplica produzida pelo Liceu para a alegoria A Noite, originalmente criada por Michelangelo para o túmulo de Giuliano de Medici, em mausoléu florentino.

Tendo como estratégia pedagógica a reprodução das esculturas em suas oficinas, eram estudadas as características originais das obras antes das atividades práticas. Algumas características importantes podem ser observadas sobre o conjunto de Michelangelo:

- A Noite é uma escultura de mármore (155 x 150 cm), de 1526-1531. É representada como uma personificação feminina, semirreclinada e nua, como as outras estátuas da série. Pode ter sido modelada sobre as representações de Leda ou Ariadne adormecidas: a posição, com a perna esquerda dobrada, a cabeça reclinada, lembra Leda e o cisne, presentes num rascunho de Michelangelo de 1530. O braço esquerdo fica dobrado atrás das costas, e o direito apoia a cabeça, apoiada na coxa esquerda. O movimento provoca uma torção que gira o busto, com acabamento polido e brilhante (como se banhado pelo luar). Seus cabelos são longos, presos em tranças, e na cabeça ela usa um diadema com os sinais de lua crescente e de estrela. A figura é alusiva à coruja, de hábitos noturnos, um buquê de papoulas, símbolo da fertilidade e da sonolência (ópio), e a máscara, referência aos sonhos noturnos ou à morte, entendida como sono do corpo em espera para a ressurreição.

- O Dia, escultura de mármore (160 x 150 cm), de 1526-1531. É representado como uma personificação masculina, semirreclinado e nu. Teve como modelo, possivelmente, as divindades fluviais do arco de Septimius Severus (parte do conjunto do Fórum Romano), com estrutura anatômica em tensão. Ela é a única, entre a série de alegorias, que repousa de costas para o espectador, em pose oposta à vizinha Noite. O cotovelo esquerdo está dobrado, enquanto o braço direito se estende para trás, como se procurasse algo. As pernas são cruzadas na direção oposta à rotação do tronco, e essa torção também é destacada pela rotação da cabeça em direção ao observador. O rosto, mal esboçado, mostra apenas uma expressão misteriosa de um homem com barba.

- A Aurora, escultura de mármore (155 x 180 cm), de 1524- 1527. Encontra-se à direita da tumba de Lorenzo de Medici, duque de Urbino. Aurora, ou Alba, é vista como uma personificação feminina, semirreclinada e nua, como as demais estátuas da série. Teve como modelo, talvez, as divindades das montanhas e dos rios do mesmo arco de Septimius Severus, em Roma. Sua cabeça faz um gesto como se estivesse acordando do sono, levantando-se da cama e virando o tronco para o observador, com um cotovelo dobrado como apoio e o outro braço inclinado até buscar, no altura do ombro, um véu para levantá-lo. Entre as várias leituras, a estátua é vista como símbolo de amargura ou melancolia.

- O Crepúsculo, escultura de mármore (155 x 170 cm), de 1524-1531. Encontra-se à esquerda do túmulo de Lorenzo de Medici. Crepúsculo, ou Pôr do Sol, é visto como uma personificação masculina, semirreclinado e nu. Também se inspirou, possivelmente, nas alegorias do arco romano de Septimius Severus. Seu corpo está estendido com uma perna cruzada sobre a outra, um braço apoiado sobre a coxa, sustentando um véu que cai para trás. O rosto parece pensativo.

150 Anos - Missão Excelência
© Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo